Os sistemas de partilha de trotinetes elétricas são uma nova solução de mobilidade urbana, que rapidamente se difundiu por cidades de todo o mundo. Uns a favor, outros contra, ninguém lhes fica indiferente. No entanto, o debate sobre políticas públicas de planeamento urbano e mobilidade deve ser feito com clareza e objetividade, o que nem sempre tem acontecido.
Enquanto modo de transporte, as trotinetes partilhadas possuem várias vantagens – oferecem disponibilidade quase imediata para viajar (devido à sua distribuição geográfica abrangente), permitem uma deslocação “porta-a-porta”, a utilização é flexível (apenas se paga pelo uso), e são relativamente fáceis de usar (para a maioria da população). As maiores desconfianças relativamente a estes sistemas estão relacionadas com a ocupação do espaço público, e a segurança / utilização irresponsável.
O facto de as trotinetes estarem disponíveis quando se quer e onde se quer é a grande vantagem para os seus utilizadores e, simultaneamente, o fator de maior insatisfação para os não utilizadores – pela circunstância de, por vezes, estarem estacionadas em locais inconvenientes ou caídas no passeio. Para minimizar este problema, os utilizadores são obrigados a tirar uma fotografia mostrando onde e como estacionaram a trotinete. Caso contrário, o cronómetro do tempo de serviço não termina e o utilizador continua a pagar! Sabia disto?
A questão da segurança é mais crítica. Tem havido um grande alarido devido a acidentes com trotinetes. No início deste ano, no Porto, um acidente tirou a vida a um jovem de 25 anos que circulava numa trotinete. Vários jornais de referência noticiaram este caso, com títulos como “É uma epidemia: Trotinetes já causaram cinco mortes” ou “Um morto e um ferido grave em atropelamento com duas trotinetes”. Mas o que se passou? Duas trotinetes foram abalroadas por um automóvel cujo condutor tinha uma taxa (crime!) de alcoolemia de 1,7 g/l. Como se justificam então tais títulos, tão céleres a “culpabilizar” as trotinetes? Note-se que, mais tarde, os referidos jornais acabaram por publicar nova notícia com o facto relevante.
Parece haver, de facto, um desfasamento entre a perceção da sociedade e a realidade.
Todos os anos, só em Portugal Continental, há mais de 30 mil acidentes rodoviários e mais de 400 vítimas mortais (fonte: Autoridade Nacional da Segurança Rodoviária). Acidentes envolvendo velocípedes (bicicletas, trotinetes, etc.) representam menos de 6% deste total; apesar de estarem a aumentar (em 9,5%, de 2021 para 2022). Entre outras razões, porque cada vez há mais pessoas a usarem estes modos de transporte. No entanto, devido às características das trotinetes – veículos leves (até 35 kg) que circulam a baixas velocidades (limitadas, pelo sistema, ao máximo de 25 km/h) – os acidentes envolvendo apenas este tipo de veículos podem originar fraturas dos membros ou traumatismos cranianos (que até poderiam ser reduzidos se mais utilizadores usassem capacete; cujo uso não é obrigatório). Na realidade, os acidentes que envolvem vítimas mortais ou feridos graves são quase exclusivamente causados por veículos automóveis ou motociclos. E os acidentes com veículos ligeiros, pesados, e motociclos também aumentaram entre 2021 e 2022 (em 13%, 12,6%, e 13,2%, respetivamente), todos a taxas superiores à dos velocípedes!
A massa e a velocidade de circulação de um veículo estão diretamente relacionadas com a gravidade de um acidente. Ser atropelado por um automóvel, de 1 tonelada a circular a 50 km/h, é incomparavelmente pior do que ser atropelado por uma trotinete. Assim, não é previsível que reduzir a já baixa velocidade das trotinetes, de 25 km/h para 20 km/h – como é, agora, regra em Lisboa e que está em estudo noutras cidades – venha a ter um impacto visível na redução do nº de acidentes graves e mortais. Melhor solução seria criar ciclovias.
Os operadores dos sistemas de partilha de trotinetes têm feito um esforço significativo para promover uma melhor utilização e para facilitar a integração destas novas soluções nas cidades. Ainda na semana passada, a Bolt – empresa que disponibiliza trotinetes em Lisboa, Porto, Coimbra, etc. – anunciou que vai passar a usar os dados dos sensores das trotinetes para classificar os seus utilizadores, em função do seu comportamento na condução e no estacionamento. Os utilizadores “mal comportados” irão sofrer penalidades que poderão ir até à redução forçada da velocidade da trotinete para 15 km/h. Se, nem assim, mudarem o seu comportamento, as suas contas serão canceladas e deixarão de ter acesso ao serviço.
Em suma, o uso incorreto de trotinetes vem agravar problemas já existentes de mau desenho da rede pedonal, já pejada de outros obstáculos, sendo preciso reconhecer que um automóvel estacionado ilegalmente em cima do passeio perturba muito mais do que uma trotinete. Em relação à segurança, os números demonstram que os acidentes graves são os que envolvem automóveis e motociclos. Então, por que razão se exige tanto aos “pequenos” (trotinetes) e tão pouco aos “grandes” (automóveis)? Imagine o que seria se os condutores automóveis tivessem que cumprir com os mesmos requisitos que se exigem às trotinetes (como circular a uma velocidade limitada pelo sistema, tirar uma fotografia sempre que estacionam, ou penalidade imediata por má conduta, com base nos sensores do automóvel em vez da fiscalização esporádica por parte das autoridades).
Tambem e noticia
Há um português entre os maiores ‘flops’ da época na Serie A
Vice-presidente do Vitória SC acredita em “bom final de campeonato”
Moçambique goleado pelo Senegal na qualificação para a CAN2023