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David Gonçalves de Almeida
Muitas vezes esteve Penacova nas bocas do mundo pelos melhores motivos. No entanto, há também nódoas que continuarão a vir à tona sempre que se queira fazer a história das eleições nos concelhos da Beira-Serra, no período da monarquia constitucional. Uma dessas manchas teve projecção nacional, envolvendo o Círculo Eleitoral de Penacova que abrangia também o concelho de Tábua. “Tramóia e asquerosa e indigna comédia” lhe chamaram. Estávamos no tempo em que os deputados “saíam dos chapéus dos ministros” e os parlamentares “eram fabricados no Terreiro do Paço” (César da Silva, A derrocada de um trono), quando não eram os caciques locais a fazê-lo…
O jornal O Século escreveu, a propósito da “falsificação” de Penacova: “Desta vez as surpresas deixaram a perder de vista as sortes dos mais afamados prestidigitadores. […] Pior ainda do que as outras votações simuladas, foi a vitória obtida à custa da venialidade das consciências, da corrupção dos eleitores e da falsificação do sufrágio livre.”
Formalmente, o processo terá chegado à Câmara dos Deputados isento de irregularidades (que se pudessem demonstrar), não havendo registo de qualquer protesto ou reclamação. Sendo assim, a Assembleia de Apuramento declarou José Dias Ferreira como tendo sido o mais votado naquele círculo.
Só que – afirma-se alto e bom som no Parlamento – era “público e notório” que nem Dias Ferreira havia sido candidato por Penacova nem tinha obtido um voto sequer nas assembleias primárias em causa. Jacinto Nunes, republicano, pede então que se nomeie uma Comissão de Inquérito Parlamentar para averiguar os factos. Mattoso Corte-Real, considerando que havia “veementes suspeitas de que as actas das assembleias primárias de eleição de deputados” no Círculo de Penacova, haviam sido “falsificadas”, substituindo-se “o nome do cidadão Fortunato Vieira das Neves, pelo do Conselheiro José Dias Ferreira, presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino”, apresenta uma proposta no sentido de serem enviados “todos os papéis” ao Juiz de Direito da Comarca de Tábua.
Este “caso original” é ironicamente resumido no jornal O Defensor do Povo: “sendo eleito um personagem, apareceu outro nas actas, estando apurado que esse outro não teve sequer um voto nas freguesias do círculo”. É que “Penacova, a benemérita”, deu-lhe na urna zero votos, mas na acta deu-lhe três mil e seiscentos!
Isto passou-se em 1892 mas, passados quinze anos, quando José Dias Ferreira morreu, o Diário da Tarde voltou a tocar na ferida: “Quando [era] Presidente do Conselho de Ministros, foi derrotado pelo círculo eleitoral de Aveiro [eleições de 23 de Outubro de 1892], por onde apresentara a sua candidatura à Câmara dos Deputados. Para não ficar fora do Parlamento teve um amigo que lhe cedeu o Círculo de Penacova, por onde afinal foi eleito.”
Constou que Dias Ferreira, ao ver arriscada e tremida a sua eleição por Aveiro, escreveu aos seus amigos de Penacova e Tábua para o fazerem eleger. No entanto, alguém fez notar que Dias Ferreira até nem quisera “fabricar deputados”, tendo sido, pelo contrário, “os caciques” a fazê-lo. Aliás, Dias Ferreira renuncia antes de tomar assento na Câmara ao lugar de deputado, tentando lavar as mãos de todo este processo. De nada lhe valeu essa desistência feita antes de discutido o parecer da Comissão de Verificação de Poderes, pois esse acto acabou por, aos olhos de muitos deputados, confirmar as suspeitas que recaíam sobre a falsificação do acto eleitoral. As discussões foram acesas e Dias Ferreira foi acusado de poder vir a ser o “primeiro comediante deste país” e o “primeiro falsificador do regime representativo”, caso se confirmasse aquela “comédia indigna” à volta do Círculo Eleitoral de Penacova nas eleições de 1892.
O Conselheiro José Dias Ferreira demitiu-se de Chefe do Governo em Fevereiro de 1893, pouco depois da ocorrência destes episódios no Círculo Eleitoral nº 47 e na Câmara dos Deputados.
Quem foi Dias Ferreira
José Dias Ferreira nasceu na freguesia de Pombeiro (Arganil) a 30 de Novembro de 1837 e faleceu em Vidago no dia 8 de Setembro de 1907. Bisavô de Manuela Ferreira Leite, que foi Ministra das Finanças em 2002.
Concluiu o Curso de Direito, em Coimbra, no ano de 1859, tendo-se doutorado em 1861 e sido nomeado Lente Catedrático em 1866, especializando-se em Direito Civil.
Iniciou a vida política como deputado pelos círculos de Arganil, Anadia, Aveiro, Beja e Penacova (Partido Regenerador). Na sequência da Janeirinha integrou o Governo com a Pasta dos Negócios do Reino (1864-1868). Com o golpe de 1870 (Saldanhada) assume novamente aquela pasta. Nesse governo foi ainda Ministro da Justiça e Ministro dos Negócios do Reino.
Em 1871 fundou o Partido Constituinte, que não teve grande adesão, ficando até conhecido por “A Patrulha”.
Foi Grão Mestre da loja “Maçons Antigos Livres e Aceites de Portugal (1882-1885). Em 1892 chefiou o governo “Aclamação Partidária”. Além de presidir ao mesmo, chefiou as pastas de Negócios do Reino, Instrução Pública e Negócios da Fazenda.
Demitiu-se em 16 de Fevereiro de 1893. Antes disso integrou a comitiva de visita da Casa Real Portuguesa a Madrid (Novembro de 1892) por ocasião das comemorações do 4º Centenário da Descoberta da América.
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