91
David Gonçalves de Almeida
A sua fama não se circunscreveu à nossa região. A partir das faldas da serra do Bussaco, a sua notoriedade estendeu-se a Lisboa onde o Cardeal Patriarca reconheceu tratar-se de um “peritíssimo exorcista” e um “reputado homem de grande espírito e singular virtude nesta matéria”. Perante esse facto e para acudir a um caso de possessão demoníaca no convento das Freiras Trinas de Campolide, D. Tomás de Almeida chamou-o à capital do reino.
Esse rocambolesco episódio, onde entram Legiões de Demónios, encontra-se relatado na “Historia Chronologica da Esclarecida Ordem da SS. Trindade”, livro I, 1789. Por outro lado, é através dos “Livros de Devassas” das visitas pastorais à diocese de Coimbra, em geral, e à paróquia de Carvalho (Arcediagado do Vouga) em particular, que podemos conhecer, de algum modo, a sua acção junto do povo que o procurava.
Sebastião Soares d’Eça (1663-1760) foi na realidade um dos principais exorcistas portugueses do século XVIII. Era natural de Gouveia, mas foi na vila de Carvalho que viveu entre 1707 e 1760, na qualidade de Prior da Igreja de Nossa Senhora da Conceição, por apresentação do Conde de Atouguia.
A Carvalho, por volta de 1718, começaram a afluir muitas pessoas em busca do padre Sebastião “muito prático na dita matéria de exorcismos”. Muitas vezes eram os próprios curandeiros que aconselhavam a deslocação dos “pacientes” àquela vila. Por exemplo, Maria Machado, uma parteira e curandeira da freguesia da Marmeleira, terá dito a Maria Simões, viúva de Cercosa: “isso não he outra cousa senao males que vos fazem, ide a Carvalho a benzervos” (Cf. Devassa de Cercosa, 1721). Cabe aqui referir o estudo de Philippe Sartin, “Possessão demoníaca e exorcismos em Portugal (1690-1760)”, Universidade de S. Paulo, 2019, cujo capítulo terceiro apresenta o título “O reverendo prior de Carvalho”. É neste recente trabalho académico que baseamos a crónica de hoje.
A par de muitos frades franciscanos, também muito solicitados, o Prior de Carvalho era o único exorcista secular na diocese. Perante tantas doenças sem explicação, perante o desespero face a uma vida difícil e perante a existência de pessoas “vingativas”, atribuía-se aos “malefícios” e às “maldições” a causa de muitos males e quando os próprios “curandeiros” se revelavam incapazes de tratar dos casos mais bicudos recomendava-se o “exorcista”. Quando os sintomas não se encaixavam no terreno do “quebranto”, da “espinhela caída”, do “cobrão” ou ofereciam resistência às práticas tradicionais de cura ou mesmo até às intervenções de médicos e cirurgiões, suspeitava-se de imediato que o mal tinha origem num feitiço perpetrado por pessoas vingativas.
Também nos “Cadernos do Promotor” da Inquisição de Coimbra, existem algumas referências a idas a Carvalho por parte de vítimas de “malefício” – salienta P. Sartin. A título de curiosidade, veja-se um relato, entre muitos: “não se entendendo os surgoens e medico com a sua enfermidade, foi elle com ella ao Prior de carvalho, junto de Coimbra, e lhe leo os exorcismos e ficou sam” – conta alguém vindo de Valpaços. Também do Alvorge (mais perto, mas ainda relativamente longe) veio Manuel Martins e seu pai por volta de 1739.
Não terá sido apenas pela sua grande longevidade (morreu com 97 anos) que foi o mais referenciado, como exorcista, seja nos cadernos do Promotor, seja nos Livros de Devassas do Bispado de Coimbra. Entende Philippe Sartin, num outro trabalho, que “o prior de Carvalho aparece, nesse cenário, como um indivíduo capaz de compreender as necessidades de seus fiéis, ou não teria sido insistentemente procurado, ao longo de décadas. Recursos como o das novenas – mencionado em apenas três ocasiões, da parte de outros exorcistas – talvez reforçassem, pela via da insistência, a eficácia de sua terapia, além de significarem acolhimento aos viajantes” que permaneceriam por algum tempo à sua “sombra”. O cumprimento de uma Novena, junto à Igreja de Nossa Senhora da Conceição, implicava a longa permanência na freguesia.
“E indo a Carvalho, de la veyo boa: os exorcismos numa paróquia portuguesa durante o século XVIII” é, antes de ser o mote para o título da crónica de hoje, um artigo de Philippe Sartin, publicado no Boletim do Arquivo da Universidade de Coimbra (2019) que remete para o referido trabalho académico que nos transporta para uma realidade que, porventura com nuances diferentes, ainda prevalece na nossa sociedade e, no caso vertente, nos leva igualmente até às cercanias da antiga vila de Carvalho dos Condes de Atouguia.
David Gonçalves de Almeida
Tambem e noticia
Bernardo Silva taxativo sobre a final da Champions: “Estaria a mentir…”
Armando Evangelista procura novo desafio fora da “zona de conforto”
APCVD soma 362 condenações e 129 interdições de entrada em estádios