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Viet Thanh Nguyen diz que militares dos EUA pouco aprenderam com Vietname

“Os Estados Unidos, em termos de ignorância e de arrogância, cometem sempre os mesmos erros. As táticas são diferentes. No Vietname, no Laos e no Camboja a doutrina dos Estados Unidos [nos anos de 1960 e 1970] era fazer bombardeamentos e massacrar os civis. No Iraque e no Afeganistão o ‘tapete de bombas’ foi substituído por ‘drones’. Supostamente a técnica é melhor mas o resultado é o mesmo”, disse o autor do livro “O Simpatizante”.       

Para o escritor, a guerra no Vietname continua presente mesmo entre os norte-americanos que “dizem ter esquecido a guerra” sendo que para os Estados Unidos, a guerra travada no sudeste asiático continua a ser uma “herança histórica” muito presente, porque os militares de Washington mantêm-se ainda muito afetados e influenciados pela derrota, em 1975.

“Em vez de pensarem que não deveriam envolver-se em mais guerras, a nível governamental dizem: ‘Devíamos travar guerras melhores’. É assim que os Governos e os militares encaram as guerras no Iraque, no Afeganistão e agora a Ucrânia. Tem sido tudo uma série de erros. A lição deveria ser: ‘Não deveríamos travar estas guerras’. Em vez disso dizem: ‘Vamos travar mais guerras’ e tem sido terrível”, critica Viet Thanh Nguyen. 

O escritor de 52 anos abandonou o Vietname do Sul com a família no dia da queda de Saigão, 30 de abril de 1975, a bordo de um navio, acabando refugiado nos Estados Unidos onde reside.      

A obra “O Simpatizante”, publicada em 2016, foi distinguida com o Prémio Pulitzer de Ficção, galardão norte-americano, sendo que a história sobre a guerra do Vietname narrada no primeiro livro continua em “O Comprometido”, ambos publicados em português, assim como o livro de contos “Refugiados”.   

Viet Thanh Nguyen esteve em Lisboa onde participou na palestra “Encontros com Escritores Americanos”, organizada pela Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD). 

Como professor universitário, explica que promove aulas em que os estudantes entrevistam sobreviventes e veteranos norte-americanos, asiáticos e refugiados sendo as respostas sempre muito diversas. 

“Muitas pessoas dizem que atiraram a guerra para trás das costas, mesmo os combatentes. Outros continuam traumatizados pelo passado e têm muitas dificuldades para falar do assunto. Há depois os mais novos, que não viveram a guerra, mas foram afetados pelo conflito, porque os pais foram seriamente afetados”, explica.

“O Simpatizante” conta a invulgar história de “um homem de duas faces”, nascido no Vietname do Sul, filho de um sacerdote católico francês e de uma vietnamita que estuda nos Estados Unidos mas regressa ao Vietname durante a guerra como espia para lutar pela causa comunista do Vietname do Norte.

Em “Comprometido”, o personagem central abandona Saigão em 1975 e encontra refúgio em França, país que colonizou o Laos, o Vietname e o Camboja, abordando o que considera “pretensões” e “hipocrisias” da França, em relação ao colonialismo na Indochina (1887-1954).

“O que aconteceu à revolução depois do fim da revolução? O ‘Simpatizante’ vai para França e continua a acreditar na revolução mas já não acredita no comunismo e, por isso, tem de voltar a reinventar-se. Por outro lado, tem de sobreviver. Acaba por envolver-se em grupos de crime organizado e de traficantes de droga em França. De acordo com uma crítica de um jornal francês o livro é um ‘encontro entre Quentin Tarantino e Jean-Paul Sartre’, pela mistura entre filosofia e política com a ação dos ‘gangues'”, explica o escritor, acrescentando que tenciona escrever o derradeiro livro sobre o protagonista de “O Simpatizante”.

“Tenho de escrever o terceiro volume de ‘O Simpatizante’, entretanto o livro vai ser uma série de televisão e se tiver êxito pode ser que a HBO faça também os outros livros. Mas, tenho de escrever esse último livro, completar a trilogia, e finalmente descobrir o que acontece ao ‘simpatizante’. Depois, nunca mais vou fazer nada sobre ele. Nunca mais”, afirma Viet Than Nguyen.

Entretanto, o escritor publicou nos Estados Unidos o livro “Two Faces” (“Duas Caras”) que é ao mesmo tempo um relato autobiográfico e de memórias familiares e também um livro de História que deve ser traduzido em português em 2024 (Editora Elsinore).   

“O meu irmão que viveu tudo comigo disse que está tudo certo e deu-me autorização para publicar”, explicou o escritor, frisando que o livro de memórias é uma obra bastante crítica dos Estados Unidos.

“Veja-se o que os norte-americanos fizeram desde o princípio como país: guerra e violência; matanças dos povos indígenas e escravidão dos africanos”, afirma frisando que o novo livro pretende refletir também sobre a atualidade mantendo a exatidão sobre a História. 

“A minha geração continua muito atenta à guerra no Vietname e passadas muitas décadas há livros que continuam a ser escritos, assim como há documentários e filmes. Mas, para as novas gerações, é apenas História e já não é uma memória. Hoje as pessoas sabem muito pouco sobre a guerra no Vietname”, diz o escritor.

Por outro lado, refere que existem novas fontes e nova documentação para os académicos, mas que “tudo isso” é apenas apreendido por uma pequena franja da população que ainda mantém o interesse e a atenção sobre as guerras no Vietname.

“Isto é mau porque as aulas de História sobre o Vietname estão a desaparecer e é mau para o mundo, porque os Estados Unidos estão a livrar-se da herança da guerra o que significa que volta a exercitar o poder militar além fronteiras”, conclui.

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