23 de Setembro, 2023
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Opinião: A corda do enforcamento

Opinião: A corda do enforcamento

Foi ontem noticiado pelo Público, Observador e Porto Canal, que a estátua de Camilo Castelo Branco, no Porto, pode sair do espaço público após ter sido apresentada uma petição subscrita por 37 cidadãos que se fundamenta em questões de gosto e moral. Citados pelo Público, os signatários referem-se à obra como “despejada” junto à antiga Cadeia da Relação que provoca um “desgosto estético”. O texto da petição termina pedindo a Rui Moreira para se seja feito o “favor higiénico de mandar desentulhar aquele belo largo de tão lamentável peça e despejá-la onde não possa agredir a memória de Camilo”. Acrescenta o jornal Público que, entretanto, Rui Moreira encaminhou o pedido para o vereador do urbanismo da Câmara do Porto, Pedro Baganha, com a seguinte nota: “Não tendo havido qualquer deliberação municipal para erigir tão deselegante obra, e concordando com o que tão ilustres cidadãos nos suscitam, solicito que se proceda à remoção daquele objeto, que deverá ficar nas reservas municipais”.
Não existe nada mais autoritário do que os gostos e os sentimentos pessoais. Toda a gente se ofende com qualquer coisa. Aquilo que ofende alguém, elevado à categoria de ordem executiva, transforma em virtuosos os 37 signatários, e em pecadores os demais. É o degradar da democracia, pois é impossível que exista debate público ou político quando se discutem sentimentos e gostos pessoais, na medida em que não existe resposta possível à afirmação de um gosto ou desgosto. O debate é substituído pela censura. Ainda por cima, o afunilamento é de tal ordem que pode chegar ao sentimento de um único indivíduo. Cada pessoa com uma “nova” religião, a sua.
Se assim for, nada impede que a escultura da princesa Cindazunda seja, para alguém, grotesca porque demasiado larga (a princesa com certeza que não tinha o tamanho da escultura) e, por isso, deve ser removida. Também não há muito tempo, o monumento evocativo dos Heróis do Ultramar foi vandalizado (e posteriormente limpo). Acredito que os antigos combatentes não devem ter gostado da palavra “assassinos” grafitada. Mas, lá está, outros podem achar que o monumento apela à guerra, ou alguém pode considerar ofensivo que no mesmo monumento esteja uma criança e uma arma nas mãos de um soldado. A foto mais célebre do 25 de Abril não é muito diferente.
Há quem atribua a Lenin a seguinte frase: “Os capitalistas nos venderão a corda com a qual os enforcaremos”. Os que hoje pretendem impor os seus gostos e sentimentos desconhecem os gostos e sentimentos das pessoas daqui a 20 ou 30 anos. Os de hoje podem, futuramente, vir a ser censurados ou não, até expostos publicamente à mais mordaz das críticas. Pelo menos a corda para que isso aconteça estão a fornecê-la.

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